15.4.25

De Jerez de los Caballeros a Vila do Conde: uma lição sobre a mobilização



Este fim de semana, algo absolutamente inesperado aconteceu em Jerez de los Caballeros, uma pequena vila espanhola com pouco mais de 9 mil habitantes. Mais de 500 pessoas, vindas de vários pontos de Portugal, cruzaram a fronteira para apoiar... o modesto clube local, 9.º classificado da quinta divisão espanhola.



Pode parecer estranho à primeira vista. O que leva meio milhar de pessoas a atravessar o país para ver um jogo da 5ª Divisão Espanhola? Tudo começou com uma simples brincadeira num podcast de humor sobre futebol, o Falsos Lentos, conduzido pelos humoristas Diogo Batáguas, Manuel Cardoso e Carlos Coutinho Vilhena.

A história: um dos assistentes de imagem e som do programa faltou a uma gravação e, ao ser confrontado, justificou-se com um jantar com uns tios espanhóis. Perante a pergunta "de onde são os teus tios?", a resposta foi: de Jerez de los Caballeros. O nome provocou gargalhadas e até a suspeita de que aquela terra não existia. Mas existia — e com clube de futebol próprio.

Mais tarde (uma semana depois) num gesto natalício, Diogo Batáguas ofereceu uma camisola do clube aos colegas, sugerindo que aquele passasse a ser o “clube comum” dos três. O que era apenas mais uma piada de bastidores cresceu de forma orgânica: o clube espanhol respondeu nas redes sociais, ofereceu aos humoristas quotas de sócios gratuitas por uma época, e a ligação foi-se tornando mais próxima.
O entusiasmo foi tal que o clube organizou uma excursão ao vivo até Jerez de los Caballeros com direito a bilhete de jogo e almoço para todos os que visitassem o seu estádio. Resultado? Bancadas cheias, cachecóis ao alto, cânticos, convívio e festa... tudo isto por um clube que poucos conheciam até há semanas.





E o que tem o Rio Ave FC a ver com isto?

Escrevo este artigo não só por achar a história maravilhosa, mas porque acredito que há aqui uma lição preciosa para o Rio Ave FC.

Numa altura em que a presença de adeptos nos jogos fora — especialmente nos mais distantes — é escassa, vale a pena perguntar: o que está a faltar? Por que razão um clube com presença na Primeira Liga, com anos de história luta para mobilizar algumas dezenas de adeptos em deslocações fora de portas?

A resposta não está, necessariamente, na qualidade do futebol praticado. Nem sempre se trata do amor ao clube — porque esse existe. A questão central pode muito bem ser: onde está a experiência?

Uma deslocação não deve ser apenas entrar num autocarro, seguir até ao destino, ver o jogo, e regressar. Isso, por si só, pode não ser suficiente para atrair novos adeptos ou mobilizar quem está mais afastado.
Uma deslocação pode (e deve) ser um evento. Um dia especial. Uma experiência.

Por que não criar programas de deslocação mais envolventes?
Por que não pensar em:
  1. Convívios pré-jogo, com churrascos, comes e bebes ou atividades lúdicas (em baixo deixo imagem do que o clube de Jerez proporcionou aos adeptos portugueses)
  2. Visitas culturais ou turísticas à vila/cidade que recebe o jogo
  3. Criação de uma comunidade digital ativa, que partilhe histórias e memórias dessas viagens?
  4. Escolher um adepto (ou grupo) para fazer a “reportagem do dia”, com vídeos e fotos da viagem, partilhados nas redes sociais do clube. Uma forma divertida de dar protagonismo à massa associativa e mostrar que seguir o Rio Ave é uma aventura.
  5. Entre outras...

O caso de Jerez de los Caballeros prova que as pessoas se mobilizam por causas que fazem parte de algo maior do que o jogo em si. Mobilizam-se por experiências, por momentos partilhados, por histórias para contar. E essas histórias não nascem por acaso — são pensadas, cuidadas e promovidas por quem acredita no valor de cada gesto.



Se queremos ver mais verde e branco fora de Vila do Conde, temos de nos reinventar. 
Temos de sair da lógica do “quem quiser, que vá” e passar para a lógica do “quem for, não vai esquecer”. A mobilização começa na forma como o clube comunica, organiza e envolve. 
O amor ao clube está cá. O que falta é o clique emocional que transforme cada deslocação num evento memorável.

O exemplo de Jerez mostra-nos que não é preciso um estádio grande, nem estrelas internacionais, nem uma divisão principal.
Basta uma ideia simples, um toque de humor, e sobretudo: vontade de fazer diferente.

Já agora, por curiosidade, o jogo terminou 0-0. 

Ficam aqui algumas imagens e vídeos desta mobilização


 

O CLUBE ESPANHOL FOI PARTILHANDO IMAGENS DOS SEUS ADEPTOS NAS REDES SOCIAIS


 

O CLUBE ESPANHOL PREPAROU O ESTÁDIO PARA RECEBER OS ADEPTOS PORTUGUESES ANTES DO JOGO


O CLUBE ESPANHOL PREPAROU REFEIÇÕES PARA TODOS OS VISITANTES 


O JORNAL  MARCA ESCREVEU INCLUSIVE SOBRE ESTA DESLOCAÇÃO