3.6.25

O Novo Rio Ave: entre a oportunidade e a subordinação

Basta olhar para o plantel do Rio Ave de há duas ou três temporadas para percebermos que estamos perante uma revolução total. João Graça é, de forma simbólica, o último resistente de um ciclo que terminou – e, mesmo assim, não é garantido que tenha espaço na equipa na temporada que agora se prepara. Tudo o resto mudou.

Com a entrada da SAD helénica, este cenário era esperado. Não por ser anunciado formalmente, mas por ser o desfecho lógico de quem conhece a forma de atuação do grupo Marinakis, detentor também do Olympiakos e do Nottingham Forest. O Rio Ave passou, em pouco tempo, a ser uma peça do tabuleiro de interesses do grupo – e, em particular, um espaço útil para desenvolver ou relançar ativos que não têm espaço imediato noutros clubes.

Um clube com três funções

A nova identidade do Rio Ave – que pouco tem da anterior – pode ser descrita em três pilares:

  1. Clube satélite para jovens promessas de Olympiakos e Nottingham: chegam a Vila do Conde para ganhar experiência competitiva e, se provarem valor, saltam para patamares superiores.

  2. Recolha de excedentários: jogadores que não conseguiram afirmar-se nos dois clubes principais do grupo, mas que continuam com contrato, descem um degrau competitivo e chegam ao Rio Ave como solução de continuidade.

  3. Porta de entrada para jogadores de fora da Europa: aproveitando o contexto português e a menor burocracia, o Rio Ave é agora uma espécie de “alfândega futebolística” para novos talentos que procuram adaptar-se ao futebol europeu antes de tentarem voos maiores.

Entre o copo meio cheio e o copo meio vazio

É importante reconhecer o lado positivo: teremos jogadores com qualidade que, noutros contextos, não estariam ao nosso alcance – casos como Tiknaz ou Ntoi são bons exemplos disso. A ligação ao grupo Marinakis abre portas, atrai talentos e oferece uma base sólida de recrutamento.

Mas há também um lado mais sombrio: seremos sempre o elo mais fraco da cadeia. No momento da decisão, no momento da escolha, no momento do investimento, é fácil perceber qual dos clubes do grupo terá prioridade – e não será o Rio Ave. A médio/longo prazo, isto compromete qualquer ambição de crescimento sustentado, qualquer tentativa de dar um salto competitivo real.

A contratação de Sotiris Silaidopoulos como treinador principal é mais uma prova do novo paradigma. Trata-se de um técnico grego, com passado essencialmente ligado à formação, e cuja missão será clara: potenciar jovens. É o perfil ideal para a atual visão estratégica da SAD – mas dificilmente seria escolhido num modelo desportivo que ambicionasse resultados imediatos ou objetivos mais arrojados.

O que nos resta?

Resta-nos entender e aceitar a nova realidade, mas sem deixar de fazer perguntas. O que queremos ser enquanto clube? Qual o nosso limite? Teremos espaço para manter uma identidade própria dentro desta estrutura? Ou seremos apenas uma plataforma rotativa de talentos de outros?

O futuro trará respostas. Mas por agora, a identidade do Rio Ave já não é a de ontem. E cabe-nos, enquanto adeptos e sócios, manter viva a exigência de que o clube não perca por completo a alma que o trouxe até aqui.