Os meus tempos de jogar à bola terminaram em 1988 na Rua Gaspar Manuel em Vila do Conde. Uma rasteira por trás, um trambolhão enorme, dupla fractura do antebraço, duas cirurgias para corrigir o segundo cotovelo que ganhei e qualquer ideia de ser jogador da bola esfumaram-se. Virei adepto profissional do Rio Ave. A diferença entre ser adepto e ser jogador profissional é a direcção que o dinheiro toma na carteira ao fim do mês. Na condição de adepto paga-se, na de jogador recebe-se. Como nunca cheguei a jogador profissional da bola desconheço o sentimento que se vive depois de uma derrota como a de ontem. Como adepto fica-se desiludido e muitas outras coisas que acabam em -ido. Não se dorme direito porque a cama parece feito de mato. Um tipo não está bem em posição nenhuma e quanto mais se mexe pior fica, alivia-se de um lado e martiriza-se de outro. Adormece-se já o sol quase espreita, levanta-se da cama com um humor ainda pior. Há ressacas de verdadeiro álcool que custam menos. Anda-se o dia todo com cara de quem ameaça porrada e quem ousa falar-nos leva de resposta um grunhir semelhante ao dos diabos da Tasmânia.
Foi só um jogo de futebol. Só? Bill Shankly atravessa-se logo na minha cabeça: "Someone said to me 'To you football is a matter of life or death!' and I said 'Listen, it's more important than that'."
Não falem comigo hoje, estou de maus fígados. Só me questiono se os profissionais do jogo jogado estão como eu.